Bergamaschi. Um sobrenome que carrega raízes italianas, força de trabalho, e uma certa teimosia nobre de quem sempre acreditou que a vida era, acima de tudo, feita para ser vivida com coragem. Um nome que ecoa nos campos, nos balcões de madeira antiga, nas granjas, nas farmácias de interior e, claro, nos nossos corações. Um nome que virou sinônimo de honra por causa dele: Willer Bergamaschi. Meu pai.
Casou-se jovem, como quem já sabia que a vida não ia esperar. E não esperou. Foi farmacêutico prático — daqueles que sabiam mais do que muito doutor de jaleco branco. Depois, virou comerciante, dono de supermercado em Florestópolis, lá no Paraná. Como bom visionário, não parou por aí: teve criação de suínos, granja de galinhas, tudo para abastecer seu próprio negócio. A vida era dura, mas ele sempre teve um jeito sereno de fazer parecer simples.
Entre prateleiras, farelos de milho e remédios manipulados com precisão, criou três filhos: Paulo, Simoni e Patrícia. Mas o destino, sempre com seus mapas rabiscados, resolveu mostrar outros caminhos. E em 1985, papai fez as malas, o coração cheio de esperança, e rumou para o Mato Grosso, com o sonho de encontrar uma fortuna que — verdade seja dita — nunca chegou.
Mas ele não parou. Comprou terras, trabalhou até quando o corpo já dizia “chega”, e construiu uma história que nenhuma conta bancária poderia traduzir. Rica em caráter, feita de suor, afeto e muitas risadas em volta da mesa.
E se tudo isso já não bastasse, ele ainda quase escreveu uma página dramática da história do Brasil.
Era 1961. Meu pai, então um jovem soldado, servia o Exército em Brasília, no quartel da capital ainda em seus primeiros anos de existência. Naquele tempo, o presidente Jânio Quadros havia renunciado, e o vice, João Goulart, voltava da China — uma viagem que gerava desconfiança e paranoia em tempos de Guerra Fria. A ordem, absurda e impensável hoje, era clara: caso o avião de Jango pousasse, era para impedir, atirando, se fosse preciso.
Sim. Meu pai, com uma arma nas mãos, recebeu essa ordem. E ela deveria ser cumprida. Ele tremia como vara verde, como ele mesmo contava, e dizia que estava apavorado. Naquele momento, o fio de um telefone — por onde viria qualquer contraordem — estava estendido pelo chão, como num filme mal produzido. E o improvável aconteceu: uma carroça passou por cima da fiação e... cortou o fio.
A ordem de não atirar vinha... mas não chegava.
O avião descia. Meu pai, em pânico, apontava a arma. E, de repente, surge outro soldado correndo em sua direção, braços abertos, gritando:
— Nãããããããão atireeeeeeeeeeeeeee!
Meu pai caiu sentado no chão, branco como cal, quase fez o número dois nas calças (e fazia questão de contar esse detalhe com certo orgulho dramático). Seu Berga, como todos o conheciam, ou “Tremendão”, como era chamado na juventude, quase matou um presidente. Mas, como ele mesmo dizia, “foi só quase, minha filha”.
Hoje, no Dia dos Pais, me pego rindo e chorando dessa história. Rindo da cena tragicômica, chorando de saudade. Meu pai não ficou rico, não teve vida fácil, mas deixou um tesouro incalculável: seus valores, sua coragem, seu amor incondicional por nós.
Se sou quem sou, é porque fui forjada por ele. Aprendi com ele a lutar, a sonhar, a seguir mesmo quando não se tem certeza de onde a estrada vai dar.
Seu Berga, meu pai, meu herói improvável, meu Tremendão. Obrigada por tudo. Sempre te amarei.
Texto de responsabilidade do(a) autor(a).
Autora: Simoni Bergamaschi.
Advogada, Cronista, Mãe, Filha, Irmã, Tia, Cunhada e Amiga.
Fonte: Simoni Bergamaschi.
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