Depois da declaração polêmica do desembargador Marcos Machado, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que disse que uma universitária estuprada em uma festa em Cuiabá era 'madura', o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Estado de Mato Grosso (CEDM), se manifestou criticando a postura do magistrado.
‘Senhor Desembargador: A culpa nunca é da vítima’, disse o conselho em nota enviada à imprensa.
A declaração do magistrado ocorreu na semana passada, durante a análise de um habeas corpus do suspeito de um estupro, em sessão da 3ª Câmara Criminal do TJMT.
O homem que está preso preventivamente desde o dia 2 de maio deste ano, é suspeito de estuprar uma universitária, de 30 anos, enquanto ela dormia, durante uma festa na casa dela, no Bairro Boa Esperança, em Cuiabá.
“Uma mulher madura, 30 anos, nós não temos aí essa ingenuidade, essa dificuldade, inclusive de ingerir a bebida. Se é fato verdadeiro que houve um relacionamento sexual antecedente então eu já não identifico o fato criminoso em si”, disse o desembargador, que é pediu vistas do pedido de habeas corpus.
Para o conselho, as palavras da autoridade pública podem ter repercussão social contrária ao trabalho de conscientização que tantas instituições, cidadãs e cidadãos desenvolvem em relação à cultura do estupro.
“O fato de a vítima ter ingerido bebida alcoólica jamais se confunde com autorização tácita. Se a pessoa se encontra embriagada ou intoxicada, especialmente ao ponto de inconsciência, se está diante de sexo não consentido: é estupro”, pontuou o CEDM.
Para a entidade, o fato de a vítima ter mantido relacionamento sexual anterior com o agressor, não significa autorização para sexo futuro, tantas vezes quantas este queira sem consentimento. ‘Tanto é que pode existir estupro até na constância do casamento’.
O conselho pediu que o desembargador considere aspectos técnicos ao analisar o habeas corpus.
“Solicitamos para que o Poder Judiciário não transmita a mensagem aos jovens de que uma mulher sempre está disponível para sexo, independente de seu consentimento, por ter ingerido bebida alcoólica. Sexo não consentido com pessoa inconsciente é estupro de vulnerável”, finalizou o CEDM.
Em nota, o magistrado alega que se expressou de maneira equivocada e que o argumento seria uma justificativa para o pedido de vistas. Segundo o desembargador, o motivo que o levou a adiar o voto é o relato de que o suspeito havia ameaçado as testemunhas e isso poderia atrapalhar as investigações.
Depois de ouvir a leitura do relatório do caso, o magistrado declarou que não concederia a soltura e pediu para proferir o voto posteriormente para avaliar melhor o processo.
Ainda em nota, Marcos Machado alegou que ainda não estava julgando o suposto crime em si, mas o pedido de habeas corpus do suspeito. O desembargador alertou para o fato de que não há uma denúncia do caso formalizada no Ministério Público Estadual (MPE), portanto, ainda não há crime a ser julgado.
“Aceito com humildade a crítica, a qual redobrará meu cuidado para analisar o caso. Não obstante, consigno que jamais julguei crimes de estupro sem valorizar a versão da vítima, ao contrário, a palavra da vítima sempre foi prevalente, muito menos relativizar os direitos da mulher, em especial à sua dignidade e intimidade”, respondeu o desembargador ao conselho.
A vítima havia dado uma festa na casa dela para comemorar o aniversário da amiga, com quem divide a residência. Depois de ingerir bebida alcoólica, a universitária passou mal e foi levada para o quarto pelas amigas, que permaneceram com ela até que adormecesse.
A aniversariante voltou para dar atenção aos convidados, mas em determinado momento, notou que um dos presentes não estava próximo aos demais e foi procurá-lo.
Ao chegar no quarto da vítima, percebeu que a porta estava trancada. A amiga começou a bater e pedir que abrissem a porta. Neste momento, o suspeito saiu do quarto.
Segundo o depoimento da testemunha, o homem estava sem camiseta e vestia o short às pressas. Ela relata ainda que o homem deixou a cueca no quarto e um preservativo aberto. Além disso, disse ter revistado a amiga, que estava parcialmente inconsciente, e percebeu que ela estava nua.
As testemunhas chamaram a polícia e foram até a casa do suspeito. Ainda de acordo com o relatório, ao avistar a polícia e as testemunhas, o suspeito teria ameaçado-as.
Ainda assim, ele foi detido e confessou à polícia ter mantido relação sexual com vítima com o consentimento dela. Disse ainda que os dois já se conheciam e teriam se relacionado anteriormente.
Mas, no pedido de habeas corpus defesa do suspeito nega que ele tenha cometido estupro e alega que a situação foi criada pela amiga da vítima e testemunha, que seria apaixonada por ele. Como ele não corresponderia ao sentimento dela, ela teria forjado o crime.
O procedimento quando encaminhado a Delegacia da Mulher foi instaurado o inquérito policial ficou confirmado que a vítima estava dormindo e que tinha ingerido bebida alcoólica, sem condições de consentir a relação sexual, constando que houve de fato o estupro na condição de vulnerabilidade da vítima.
O estupro de vulnerável na condição de vulnerabilidade da vítima é considerado aqueles casos em que a vítima está em uma festa, por exemplo, ingerindo bebida alcoólica, e pessoas más intencionadas colocam alguma substância na bebida, com a intenção de aproveitar da fragilidade da vítima e cometerem abusos sexuais ou ainda no caso da mulher estar dormindo, sem condições de defesa.